O diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, foi a autoridade convidada para a abertura dos ciclos de encontros e palestras do SINICESP em 2024.
A visita institucional ocorreu no dia 19 de janeiro, sexta-feira, na sede do Sindicato. Em conversa com diretores e representantes de empresas associadas, Gabriel Galípolo falou sobre conjuntura macroeconômica, política cambial, taxa de juros e investimentos em infraestrutura.
Segundo Galípolo, há hoje uma dificuldade em todo o mundo em explicar o comportamento das economias, principalmente nos países que utilizam a taxa de juros como mecanismo de controle da demanda e consequente queda da inflação. Segundo ele, no caso brasileiro, uma explicação pode ser formulada considerando-se as várias reformas realizadas no país nos últimos 10 anos, o que pode ter contribuído para um crescimento maior com menos pressão inflacionária. Houve também a contribuição de fatores, como mudanças do mercado de trabalho, e até a própria COVID, que causou uma série de mudanças na forma como se comportaram os arranjos do trabalho.
“Nós tivemos, no ano de 2023, um impacto significativo do agro, que colaborou muito para o crescimento e produziu uma desinflação, porque dá um choque de oferta, um excesso de oferta em commodities, que pressiona menos a demanda em relação à oferta. Essa poderia ser uma explicação para o como é que foi possível crescer mais e, simultaneamente, com menos inflação”, afirmou Galípolo.
Uma transformação observada foi um choque de oferta por causa da COVID, que desarticulou as cadeias produtivas a capacidade de logística e de transporte. Simultaneamente, houve um choque no preço de energia e commodities por causa da invasão à Ucrânia. Tudo que era comercializado internacionalmente ficou muito mais caro. As fábricas fecharam e os serviços despencaram porque ninguém mais estava indo à escola, ninguém estava mais indo ao médico, então as dinâmicas se cruzaram.
Existe um segundo ponto que pode explicar o comportamento econômico, segundo Gabriel Galípolo, entretanto, os economistas estão “tateando”, pois é muito difícil de conseguir mensurar. A COVID também chamou a atenção para as dificuldades de se ter dependência de um fornecedor único.
Já havia uma tensão maior do ponto da relação comercial entre China e Estados Unidos desde o governo Trump, mas a COVID colocou um certo alerta, de que não podemos ficar dependendo exclusivamente de um país no fornecimento de uma série de produtos, e isto acabou provocando uma tendência que ficou conhecida como é friendlyshoring ou nearshoring, que é a tentativa de trazer a produção para países próximos e amigáveis, ou seja, trazer a cadeia produtiva e parceiros comerciais para países próximos e amigáveis.
“Essa teoria é totalmente mais uma suspeita. Tem poucas evidências para conseguir corroborar que isso está dando esse efeito nos preços, mas o que a gente enxerga é um deslocamento de boa parte das cadeias produtivas da China para a Índia, da China para o Vietnã e da China para o México”, ponderou Galípolo.
BRASIL
O Brasil, no final dos anos 80 e o começo dos anos 90, entrou com uma inflação galopante e com uma crise da dívida externa, com o país excluído do mercado financeiro internacional, porque declarou uma moratória. Hoje o Brasil é credor líquido internacional. O mundo deve mais ao Brasil do que o Brasil deve ao mundo em dólares.
Nós temos quase 360 bilhões de dólares em reservas internacionais. É um o volume de reservas suficiente para não ter dívida externa pública e para poder honrar a dívida privada. É uma situação bastante privilegiada quando comparamos com boa parte dos nossos pares.
O Brasil tem apresentado saldos comerciais estruturalmente positivos, pela competitividade que apresenta no setor agro, que tem se demonstrado repetitivamente competitivo de maneira histórica. Além disso, a composição que da balança comercial é bastante benigna.
“Se compararmos como entramos nos anos 80, o cenário estava relacionado com aquela crise dos anos 70, que foram as duas crises do petróleo que provocaram elevação da taxa de juros no final dos anos 70 para o começo dos anos 80. Hoje no Brasil, se o preço do petróleo disparar, não estamos em um cenário tão perigoso, porque nós somos exportadores líquidos de petróleo. Tudo isso promove uma defesa bastante significativa do Brasil.”
O Brasil pode se apresentar como um país que consegue fazer a transição ecológica para toda essa pauta do investimento verde, com um custo muito menor do que o resto do mundo, porque a nossa matriz energética já é uma matriz energética mais limpa, então é muito menos inflacionário produzir verde.
A renda das famílias e o consumo estão razoavelmente bem defendidos e se apresentando como resilientes. Algumas razões para isso: primeiro, a inflação está caindo, devolvendo poder aquisitivo para as pessoas. Segundo: a taxa de juros também está caindo. Com a taxa de juros mais barata, sobra mais recursos para as pessoas. Além disso, existem os programas sociais de transferência de renda, como é o caso do bolsa família e a retomada do programa de valorização do salário mínimo. Todos esses programas e tendências têm promovido uma defesa da renda das famílias, ocasionando uma resiliência nessa variável da identidade macroeconômica, que é a demanda.
INVESTIMENTO
Segundo Gabriel Galípolo, temos investimento em patamares baixos estruturalmente no Brasil há algumas décadas, e em 2023, ele caiu ainda mais. Nesse contexto, existem 3 pilares para serem fomentados. Um deles é o que se denomina como “neo industrialização”. Um processo produtivo baseado em uma visão de sustentabilidade econômica, ambiental e social. O segundo ponto é a construção civil para o lado de mercado de Real State, de habitação e mercado imobiliário. E o terceiro é a área de infraestrutura.
“Eu acho que o Brasil reuniu vantagens e conquistas que foram da sociedade brasileira. Uma série de vantagens competitivas que, mesmo num cenário Internacional mais difícil e mais adverso, o Brasil fica ainda mais competitivo comparativamente aos seus pares”.
Para Galípolo, ainda que a situação fique mais complexa e mais adversa internacionalmente, quando comparada com seus pares, as vantagens fazem do Brasil um caso de destaque para ações futuras. “Isso demanda muito que a gente consiga aprimorar essa nossa capacidade de investimento, o que impõe diálogos como esse que ocorre no SINICESP, permitindo construir em conjunto o que vai ser possível para os próximos anos”.
CÂMBIO
Para o diretor do Banco Central, a instituição não tem nenhum tipo de alvo ou patamar de câmbio. “Não estamos olhando para um número, e nem tem um patamar que nos que nós temos perseguido. É sempre a questão da inflação. É muito importante que o câmbio possa reagir para fazer os ajustes necessários. É muito positivo que a gente possa ter essa estabilidade, porque ele reduz uma percepção de risco e acaba estimulando novos investimentos”.
DEBÊNTURES DE INFRAESTRUTURA
As debêntures já ocupam um papel relevante de financiamento para os projetos de infraestrutura, entretanto, para Galípolo, elas ainda estão muito concentradas em 2 setores: energia e transportes.
Segundo ele, há um problema de casualidade. Esses setores recebem mais atenção justamente porque tiveram o maior avanço do ponto de vista jurídico e regulatório. Nos setores de transporte e energia, há maior segurança jurídica e maior estabilidade e segurança de agências reguladoras. Esses são os setores em que as concessões ficam “de pé” e são viáveis, geralmente com cobrança de tarifas. Eles não demandam recursos públicos.
“Precisamos dar o salto agora em todos os outros setores que não são viáveis com recursos públicos que têm muita correlação e dialogam com o tema da sustentabilidade. São problemas que não resolvemos desde o século retrasado. Envolvem saneamento, mobilidade urbana, educação e saúde. Eu acho que isso, inclusive, neste governo tem bastante apelo”.